Censura e Curadoria

A Censura e a Curadoria representam dois processos distintos, e frequentemente opostos, de gestão e controle do fluxo de informação e conhecimento em uma sociedade. Enquanto a Censura é um ato de poder com o objetivo de restrição, a Curadoria é uma prática de seleção e organização com o objetivo de valorização e acesso qualificado. A formalização desta discussão exige o cotejo de seus conceitos, práticas e implicações éticas.

1. Censura: O Ato de Restrição

A censura é definida como o ato de uma autoridade, seja ela estatal, política ou religiosa, que tem o poder de impedir a circulação de expressões, ideias, informações ou obras consideradas indesejáveis, perigosas, impróprias ou ofensivas ao status quo (MORAES, 2020; VILLA, 2013).

Conceito  Prática   Implicações

Natureza: Ato coercitivo e negativo (restritivo). Anti-democrática e violação da Liberdade de Expressão (Direito Fundamental) (MORAES, 2020).

Agente:   Autoridade centralizada (Estado, governo, empresa detentora de poder hegemônico).  Atuação baseada no poder hierárquico.

Critério: Político, ideológico, moral ou segurança nacional. O critério é subjetivo e imposto pela autoridade.   Visa à proteção do poder estabelecido ou à uniformidade ideológica, não à qualidade da informação (VILLA, 2013).

Resultado:     Ocultação, supressão ou mutilação de conteúdos. Cria um vácuo de informação e limita o debate público. Para Moraes (2020), o Brasil possui uma tradição constitucional de repúdio à censura, especialmente a de natureza política, ideológica e artística, estabelecendo a liberdade de manifestação do pensamento como pilar da democracia. A censura é, portanto, uma prática ligada ao controle do poder.

2. Curadoria: O Ato de Seleção e Organização

A Curadoria, originalmente um conceito ligado a museus e galerias, expandiu-se para a Ciência da Informação e Mídias Digitais, significando o processo de seleção, organização, preservação e apresentação de informações e conteúdos relevantes para um público ou contexto específico (COSTA; SILVA; BRÄCKER, 2015). No contexto digital, a Curadoria de Conteúdo tornou-se essencial devido à sobrecarga informacional.

Conceito  Prática   Implicações

Natureza: Ato seletivo e positivo (de agregação de valor). Democrática no sentido de fomentar o acesso e a educação, respeitando a diversidade de opiniões (COSTA; SILVA; BRÄCKER, 2015).

Agente: Curador especializado (indivíduo, plataforma ou algoritmo) com conhecimento de domínio. Atuação baseada em competência e conhecimento técnico.

Critério: Relevância, qualidade, utilidade, originalidade e pertinência para um determinado público ou tema. Visa à qualidade da informação e à facilitação do acesso (PEREIRA; SANTOS, 2016).

Resultado: Filtro, contextualização e organização de conteúdos. Cria um fluxo informacional coerente e auxilia a tomada de decisão.

A Curadoria é vital no ambiente digital, onde a proliferação de fake news e a desinformação exigem um olhar técnico para selecionar o que é confiável e significativo. Ela é, nesse sentido, um ato de inteligência informacional que busca agregar valor ao material disponível (PEREIRA; SANTOS, 2016).

3. Síntese Comparativa: Distinção Ética e Prática

A distinção crucial reside na intenção e no efeito.

Censura: Impede o emissor de falar e o público de receber, visando o controle ideológico ou político. O critério é o poder e o efeito é a supressão.

Curadoria: Seleciona o que é mais valioso ou relevante para um público específico, mantendo a liberdade de circulação dos demais conteúdos. O critério é a qualidade/relevância e o efeito é a valorização/contextualização.

O risco reside na "zona cinzenta" das plataformas digitais. Quando uma plataforma (gatekeeper) usa a curadoria algorítmica ou humana para remover conteúdos (ex: discurso de ódio, violência, informações comprovadamente falsas sobre saúde), ela age como curadora. No entanto, se essa remoção for enviesada e tiver como objetivo calar vozes de oposição política ou ideológica, ela se aproxima perigosamente da prática da Censura (VILLA, 2013).

A Curadoria é uma ferramenta para lidar com o excesso de informação; a Censura é uma arma para lidar com o conflito de poder.

Considere esta publicação:

Segundo dados da agência reguladora do Reino Unido, Ofcom, o acesso a sites pornográficos no país caiu quase um terço desde que entraram em vigor, em julho, novas regras de verificação de idade. Proprietária de plataformas como Pornhub, o mais acessado, a empresa Aylo relatou queda ainda maior, de mais de 75% no tráfego no país. As regras exigem que todos os usuários no Reino Unido comprovem ter mais de 18 anos antes de acessar o conteúdo adulto. Houve também um aumento no uso de VPNs entre britânicos, que buscam contornar a verificação, mas a Aylo afirma não ter observado elevação correspondente no tráfego externo. O regulador segue investigando dezenas de sites que podem não estar em conformidade com a lei (Financial Times, segundo publicação do “Canal Meio” em 24out2025 - https://www.canalmeio.com.br/arquivo/edicoes/?d=2025-10-24).

Se uma simples verificação de identidade pode produzir essa redução, uma “Internet com identidade comprovada” não teria o potencial de reduzir fakenews e outros eventos negativos a partir da WWW?

Referências

COSTA, C. S.; SILVA, C. E.; BRÄCKER, I. Curadoria de conteúdo e competência em informação: interfaces e intersecções. Em Questão, Porto Alegre, v. 21, n. 3, p. 119-137, set./dez. 2015.

MORAES, A. de. Direito constitucional. 36. ed. São Paulo: Atlas, 2020. (Nota: Obra referência em direito constitucional e direitos fundamentais, essencial para fundamentar a inconstitucionalidade da censura no Brasil).

PEREIRA, A.; SANTOS, P. M. F. A curadoria de conteúdos como estratégia para o desenvolvimento de competências de pesquisa. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 11, n. 4, p. 1655-1673, out./dez. 2016.

VILLA, R. A. D. C. O direito à liberdade de expressão e a censura no Brasil. Revista de Direito Público, Londrina, v. 8, n. 2, p. 28-50, maio/ago. 2013.

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